A História interditada

O tradicional Museu Paulista da USP, mais conhecido como Museu do Ipiranga, está fechado para visitação desde agosto do ano passado e se prepara para passar por um grande processo de restauro ainda sem data para terminar

Por: Paulo Hebmüller

Imagem vista de outro ângulo. Vê-se, também, o bosque que ocupa a área de trás do museu e que também vem causando problemas de fungos e umidade. Foto retirada de blog.brenosiviero.com.br
Imagem vista de outro ângulo. Vê-se, também, o bosque que ocupa a área de trás do museu e que também vem causando problemas de fungos e umidade. Foto retirada de blog.brenosiviero.com.br

A notícia pegou os paulistanos de surpresa no início de agosto de 2013: o Museu Paulista da USP – mais conhecido como Museu do Ipiranga – fechava suas portas à visitação para passar por uma série de reformas sem prazo para terminar. O imponente prédio de 6,3 mil metros quadrados e 62 salões, centro das atrações do Parque da Independência e marco do desenvolvimento da região do Ipiranga, era uma das instituições culturais mais visitadas do País, recebendo de 2.500 a 3 mil pessoas por dia.

O palacete em estilo neoclássico italiano foi inaugurado há mais de 120 anos, e em sua história sofreu diferentes intervenções – várias delas, por sinal, ao longo do tempo revelaram-se inadequadas aos padrões e tipos de materiais utilizados na construção. Por conta da manutenção deficiente à qual o edifício vinha sendo submetido nos últimos anos, a direção já sabia que seria necessário fechar suas portas para um longo processo de recuperação das instalações.

Para evitar acidentes Museu foi interditado. Interior do monumento também tem vários pontos que precisam ser restaurados
Para evitar acidentes Museu foi interditado. Interior do monumento também tem vários pontos que precisam ser restaurados Crédito: Máquina do Mundo

Dois fatores, porém, anteciparam a decisão. O primeiro foi o desplacamento de um trecho do forro central de um salão do segundo piso da torre oeste. Havia o risco de um descolamento total desse forro, o que provocaria a queda de cerca de 20 toneladas de material de uma altura superior a dez metros – todas as salas da construção têm pé direito alto, de 10 a 15 metros. O mesmo tipo de problema atingiu um trecho do forro do Salão Nobre do edifício, onde está exposta a obra mais conhecida do Museu: o quadro “Independência ou Morte”, de Pedro Américo. A saída foi impedir a visitação para que o escoramento dessas estruturas pudesse ser feito sem colocar em perigo funcionários e o público.

Sheila Ornstein Foto: Francisco Emolo (Jornal da USP)
Sheila Ornstein
Foto: Francisco Emolo (Jornal da USP)

“Não podemos dizer que o responsável pelo quadro atual é a USP, ou este, ou aquele, mas há todo um conjunto de situações que levaram a esse estado”, diz a diretora do Museu, Sheila Walbe Ornstein, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP – a Universidade administra a instituição desde 1963. Para a arquiteta, a preocupação da direção do Museu Paulista e do reitor e vice-reitor da USP (respectivamente Marco Antonio Zago e Vahan Agopyan, empossados em janeiro deste ano) é de que seja realizado “um trabalho de restauro integral muito bem feito e com muita qualidade”. “Por isso é que estamos fazendo um planejamento, incluindo diagnósticos e projetos, extremamente rigoroso”, completa.

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Depois do fechamento, outras salas receberam escoramento, inclusive a biblioteca, que abriga inúmeros volumes raros. Com essas medidas, parte da equipe de cerca de cem funcionários da instituição pôde voltar a trabalhar no prédio. Outra parte, inclusive a própria diretora – que assumiu o cargo em março de 2012 –, está trabalhando numa casa que o Museu já utilizava como anexo, ao lado do Parque da Independência. A copa desse imóvel foi adaptada para receber a diretoria.

Parque o Ipiranga continua com funcionamento normal
Parque o Ipiranga continua com funcionamento normal Crédito: Máquina do Mundo

Ainda no segundo semestre do ano passado, falava-se numa previsão de reabertura somente para o ano de 2022, coincidindo com o bicentenário da Independência do Brasil. Essa estimativa, no entanto, não é mais confirmada. Embora não verbalizado, o desejo da direção e da USP é de que o prazo seja menor.

O ano de 2014 será o dos levantamentos dos problemas (o diagnóstico), elaboração de projetos para o grande processo de restauro e retirada dos acervos do edifício. Só depois disso é que se poderá começar a falar mais objetivamente em prazos e custos, observa Sheila Ornstein: “Sei que é a intenção do atual reitor realizar as obras no menor espaço possível, mas a gente precisa ainda fechar algumas dessas variáveis da equação de forma mais concreta para dar uma informação mais precisa, tanto de tempo quanto de custo. A ideia da Reitoria é ir atrás de recursos também externos, e para isso precisamos terminar essas etapas de diagnósticos e projetos, porque somente a partir dos projetos a gente consegue orçar.”

 

Mudanças e sobrecarga

A ideia de erguer um edifício-monumento para celebrar a Independência no local em que o “grito do Ipiranga” teria sido dado foi do próprio imperador D. Pedro I, logo após a proclamação de 7 de setembro de 1822. Entretanto, a obra só começaria a ser construída em 1885, sendo inaugurada cinco anos depois. O uso do prédio também mudou ao longo do tempo, e por isso muitas alterações foram feitas nele, inclusive em sua estrutura.

Por todos os lugares, pintura está descascando. Restauração prevê devolver cor original do monumento.
Por todos os lugares, pintura está descascando. Restauração prevê devolver cor original do monumento. Crédito: Máquina do Mundo

Essas mudanças, conforme explica Sheila Ornstein, começaram já nos primeiros anos de existência. Da concepção inicial de um edifício-monumento que abrigaria poucas obras – como “Independência ou Morte”, pintura feita especialmente para o prédio –, logo se passou a utilizar os espaços para um museu de história das ciências naturais, cujo acervo mais tarde daria origem ao vizinho Museu de Zoologia da USP.

Quanto mais finalidades eram dadas ao local, mais espaço era necessário para abrigar as peças. Nas décadas de 1930 e 40, uma grande reforma foi feita no subsolo, responsável pela ventilação higiênica do prédio. As chamadas fundações diretas, de grande porte e feitas com pedras e argamassa, foram cortadas para a criação de áreas expositivas e salas administrativas. A ruptura da continuidade das fundações gerou uma desestabilização das torres que só foi corrigida décadas depois, já no início dos anos 90.

Área interna do Museu Paulista da USP. Foto retirada de www.scielo.br
Área interna do Museu Paulista da USP. Foto retirada de http://www.scielo.br

O Museu do Ipiranga abriga hoje um impressionante acervo de cerca de 700 mil peças: são livros, documentos de vários tipos, mobiliário, obras de arte, louças, medalhas e até veículos. Receber todo esse volume de material não estava previsto no projeto original, o que acarreta sobrecarga às estruturas. Outros fatores que ao longo do tempo contribuíram para a deterioração do prédio foram a maior ocorrência de chuvas ácidas, fruto da industrialização da cidade, e os abalos provocados pelo tráfego pesado e constante de carros, ônibus e caminhões – coisa que os idealizadores do palacete jamais imaginariam quando projetaram sua construção num ponto elevado e então isolado de São Paulo.

 

Acervo será retirado

Entre julho de 2013 e janeiro de 2014, uma equipe interdisciplinar, incluindo técnicos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e outros especialistas, trabalhou no diagnóstico das áreas externas, abrangendo todas as fachadas, a caixilharia (portas-balcão em madeira), coberturas, claraboias, recuperação das argamassas externas, pinturas e coletores de águas pluviais. O relatório com o resultado das análises e ensaios foi entregue no início de março e servirá de base para os projetos de restauro.

Em relação ao interior do prédio, primeiramente será feita a retirada de todos os itens do acervo. “Por que tirar tudo antes de qualquer obra e mesmo antes do diagnóstico? Porque isso envolve recolha de amostras de argamassa e muita movimentação de operários, e aqui é uma área de segurança. Além disso, essas ações, mesmo numa fase de projeto e diagnósticos, envolvem muita poeira, e poeira não combina com acervos”, explica a diretora. Alguns itens serão cedidos para exposições em outros locais.

Os funcionários vêm mantendo as condições de higienização de todos os itens ainda expostos e da reserva técnica. A direção está fazendo cotação de imóveis na região do Ipiranga e também de depósitos especializados que possam receber o material durante os trabalhos de restauro. O acesso ao acervo nesses locais precisa ser mantido durante todo o período em que o Museu estiver fechado para que os funcionários possam garantir sua conservação adequadamente, e também para que os muitos pesquisadores que se utilizam dos arquivos, documentos e peças como fontes não tenham seu trabalho prejudicado.

Salão Nobre com visitação antes do fechamento para restauro. Ao fundo vê-se a obra Independência ou Morte, de Pedro Américo. Imagem retirada de www.usp.br
Salão Nobre com visitação antes do fechamento para restauro. Ao fundo vê-se a obra Independência ou Morte, de Pedro Américo. Imagem retirada de http://www.usp.br

O quadro “Independência ou Morte” é a única obra que não será retirada. O risco de que a peça sofresse danos com a remoção é grande devido ao tamanho e ao peso do quadro e sua moldura (somente a tela tem 4,15m de altura por 7,60m de largura). “Chegou-se à conclusão de que a melhor situação para ele é ser protegido contra impactos e qualquer dano aqui no edifício”, diz Sheila Ornstein.

Todas as etapas do restauro serão acompanhado pelos órgãos de preservação do patrimônio histórico, uma vez que o prédio e seu acervo são tombados em nível municipal, estadual e federal

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“Vamos manter a população informada sobre esse passo a passo das atividades que envolvem o restauro do Museu”, garante a diretora. Nada mais justo, em se tratando de um patrimônio que diz respeito à história do Brasil e, portanto, a todos os brasileiros.

Confira mais vídeos da entrevista com a diretora do Museu, Sheila Walbe Ornstein

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